Recentemente, a Câmara dos Deputados quase aprovou uma proposta de reforma que visava implantar o sistema do voto distrital majoritário, popularmente conhecido como Distritão.
Apesar de parecer, à primeira vista, uma solução simples — afinal, “os mais votados vencem” —, esse modelo é, na prática, um retrocesso para a democracia brasileira.
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O Distritão é um sistema eleitoral em que apenas os candidatos mais votados em cada estado ou município são eleitos, independentemente do partido ao qual pertencem.
Ou seja, o voto não fortalece legendas ou programas partidários, apenas indivíduos. Se há 10 vagas em disputa, por exemplo, os 10 mais votados ganham, sem considerar a votação dos partidos ou a distribuição proporcional dos votos.
Na teoria, isso parece dar mais poder ao eleitor. Na prática, enfraquece partidos, inviabiliza a representatividade coletiva e favorece políticos com maior capital político ou visibilidade — como celebridades, influenciadores e caciques partidários.
Hoje, no sistema proporcional, os votos recebidos por todos os candidatos de um partido ou coligação são somados, e a quantidade de cadeiras que esse grupo conquista depende dessa votação total.
Isso garante diversidade partidária, estimula o voto em ideias e programas, e permite que candidatos menos conhecidos, mas com propostas relevantes, tenham chances reais.
O Distritão rompe com essa lógica. Ele transforma a eleição em uma disputa individual e personalista. É como se o eleitor escolhesse apenas nomes, e não ideias.
Adotar o Distritão isola o Brasil em um modelo quase inexistente no mundo. Segundo a Inter-Parliamentary Union, menos de 2% dos países adotam esse modelo — entre eles, Afeganistão e Jordânia, países marcados por baixo nível de liberdade econômica e fragilidade democrática.
O Afeganistão, por exemplo, ocupa a 146ª posição no Index of Economic Freedom. Entre os fatores que explicam esse cenário estão a ineficiência judicial (25,7 pontos) e a baixa integridade governamental (29,1 pontos).
Países como esses, que adotam modelos eleitorais excludentes, tendem a concentrar poder nas mãos de poucos — exatamente o que o Distritão pode incentivar.
Quando o Brasil sinaliza adotar um sistema semelhante, não estamos caminhando rumo à democracia plena, mas nos aproximando de regimes com histórico de concentração de poder e enfraquecimento institucional.
Esse sistema interessa a políticos de carreira, àqueles com mais dinheiro de campanha, visibilidade e influência dentro dos partidos. Candidatos novatos ou com menos recursos ficam em desvantagem.
Além disso, a distribuição desigual do fundo eleitoral entre candidatos com mandato e os demais agrava essa disputa desleal.
Se aprovado, o processo de renovação política se tornaria ainda mais difícil, consolidando oligarquias partidárias e diminuindo a diversidade ideológica no Congresso.
A Constituição Brasileira consagra o princípio da vedação ao retrocesso — ou seja, não se pode regredir em conquistas democráticas.
O Distritão burocratiza, individualiza e enfraquece a política, colocando em risco a própria representatividade do voto.
Num país onde o acesso à informação ainda é limitado, quanto mais complexo for o sistema, maior a chance de o eleitor sequer entender o que está votando. O resultado? Abstenções, votos nulos e uma democracia ainda mais fragilizada.
Além disso, a representatividade partidária tende a desaparecer, favorecendo somente os “donos” de partidos e os já eleitos, em um ciclo de poder que se retroalimenta.
O Brasil precisa de uma reforma política, sim — mas uma que simplifique o sistema, fortaleça partidos, amplie a representatividade e promova renovação real.
O Distritão faz exatamente o oposto: personaliza a política, esvazia os partidos e concentra o poder nas mãos de poucos.
Democracia exige participação, debate e diversidade. O Distritão silencia tudo isso em nome de uma falsa simplicidade. Por isso, mais do que uma proposta equivocada, ele representa um grave risco ao avanço democrático do país.
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