Precisamos falar sobre o SUS

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Não há momento mais oportuno para discutir saúde do que o que vivemos nos últimos anos. A pandemia da Covid-19 não apenas desafiou sistemas de saúde no mundo todo, mas também expôs as fragilidades do modelo estatal brasileiro. 

E deixou uma lição incômoda para quem está disposto a enxergar: saúde, embora tratada como um direito, funciona, na prática, como um negócio. E, como todo negócio, depende de incentivos, gestão eficiente e, sim, geração de lucro para prosperar e inovar.

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A ideia de que saúde pode – e deve – ser tratada como um setor de mercado ainda é tabu no Brasil. Isso se dá, na maioria, pela mentalidade anticapitalista enraizada em parte da população. 

Ainda hoje, predomina a narrativa de que cabe ao Estado prover tudo, gratuitamente, como se não houvesse custos envolvidos.

Durante a pandemia, expressões como “viva ao SUS” e “tratamento gratuito e de qualidade para todos” ganharam força. Houve até comparações simplistas com os Estados Unidos, onde o tratamento contra a Covid-19 custaria milhares de dólares, enquanto no Brasil ele seria “gratuito”.

Mas aqui há uma falácia importante: confundir “público” com “gratuito”. Todo serviço prestado pelo Estado é pago, mesmo que indiretamente. Ele é sustentado por impostos e, portanto, por todos nós. 

Da pessoa em situação de vulnerabilidade ao bilionário, todos contribuem para manter o SUS funcionando. A diferença é que os tributos são pagos de forma compulsória, o que torna o sistema ineficiente e muitas vezes cego às reais necessidades da população.

O problema não é apenas o financiamento, mas a qualidade dos serviços oferecidos. O Estado brasileiro transformou em “direito” aquilo que, na prática, não entrega com eficácia. E, ao eliminar os incentivos por desempenho, desestimula a melhoria contínua do serviço.

O economista Tom Palmer, em sua obra A Moralidade Capitalista, oferece um exemplo pessoal que ilustra bem essa diferença. Ele relata ter procurado tanto o serviço público quanto o privado para tratar um problema de saúde. 

No hospital privado, foi atendido, com qualidade, respeito e comunicação adequada. No público, enfrentou falhas básicas – desde a falta de informação até o desrespeito dos próprios profissionais.

Esse exemplo mostra que não se trata de dizer que o setor privado é sempre excelente, mas sim que ele possui mecanismos de correção e responsabilização. Um médico mal-educado ou negligente pode ser punido, advertido ou até desligado do plano de saúde. 

No SUS, esse tipo de responsabilização é mais raro, o sistema é engessado, lento e pouco responsivo às queixas dos usuários.

A insatisfação é tamanha que metade da população brasileira já aderiu a planos de saúde privados, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). E esse número inclui não apenas a elite econômica, mas também pessoas de classe média e até da classe C, que enxergam na saúde um gasto essencial.

A razão é simples: ninguém quer esperar seis horas para ser atendido em uma emergência ou aguardar dois anos por uma cirurgia eletiva. A população busca alternativas porque sabe que não há gratuidade real quando o custo é pago com tempo, negligência e, em muitos casos, com a vida.

Muitos defensores do sistema estatal apontam o modelo europeu como referência. E, de fato, o sistema holandês tem méritos. 

Mas é necessário fazer ressalvas antes de sugerir uma simples importação do modelo para o Brasil.

A Holanda obriga seus cidadãos a contratar um seguro de saúde. Para aqueles que não podem pagar, o governo oferece subsídios. 

Menores de 18 anos são cobertos pelo Estado. A gestão é feita por empresas privadas sob forte regulação e metas de desempenho. Como resultado, o sistema holandês é classificado como o segundo melhor da União Europeia.

No entanto, é irreal supor que o modelo possa ser replicado no Brasil sem adaptações estruturais profundas. A Holanda tem 17 milhões de habitantes, uma alta renda per capita, instituições sólidas e uma cultura de cumprimento de contratos e eficiência. 

Já o Brasil lida com um território continental, desigualdades sociais extremas, ineficiência administrativa crônica e corrupção em diferentes esferas.

Portanto, ao tomar o sistema holandês como inspiração, é preciso mais do que admiração: é necessário planejamento, transição e, acima de tudo, coragem para mexer em estruturas que hoje favorecem a estagnação.

A glamorização do SUS precisa ser repensada. O sistema tem sua importância histórica e presta serviços fundamentais, mas está longe de ser eficiente, justo ou universal. 

Milhares de brasileiros morrem todos os anos por falta de acesso, erros médicos não punidos e precariedade nas unidades públicas.

Não se trata de abandonar o sistema público, mas de repensá-lo sob uma lógica mais realista, que premie a qualidade, a eficiência e a liberdade de escolha do cidadão. 

A saúde, como qualquer outro setor vital, deve ter espaço para a inovação, para a concorrência e para a prestação de contas. Só assim será possível construir um modelo verdadeiramente justo, eficaz e humano.

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Mateus Vitoria Oliveira

CEO Private Construtora, Private Log e Private Oil & Gas

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